quarta-feira, 9 de junho de 2010

“Os Irmãos Karamázov” - Fiódor Dostoiévski

“Os Irmãos Karamázov” é o último livro de Fiódor Dostoiévski, sendo considerado por muitos críticos e leitores a melhor dentre todas as suas obras. Foi publicado em 1880 e não é considerada uma obra de leitura fácil, principalmente, pra quem não está acostumado com leituras densas, longas frases e longos parágrafos, monólogos gigantescos sobre temas filosóficos e abstratos.
Dostoievski apresenta uma invenção tão grandiosa que a crítica não consegue defini-la até hoje. “Os Irmãos Karamázov” engloba de tudo: religião, psicologia, filosofia, moralidade, além da culpa e relacionamentos vividos por cada personagem, ou seja, tudo aquilo que está inerente ao comportamento humano.
Dostoiévski conduz a narrativa com maestria e destreza, sem nunca deixá-la enfadonha, ao contrário, ele a faz fluir de forma melíflua e com diálogos excepcionais.
O autor criou diversas ideologias, cada uma referente á uma conduta.
Cada personagem é uma parte inseparável da história: começando pelos três irmãos: o impulsivo Dimítri, o cético Ivã e o magnânimo Aliéksiei, além do boêmio e irresponsável pai, Fiódor Pávlovitch. Outras figuras marcantes são: o austero monge Zósima, a promíscua Grúchenhka, o pérfido Rakitín, o insano epiléptico Smierdiákov.
O pai, um velho safado e pilantra colocou uma penca de filhos no mundo. Obviamente, este velho safado e pilantra não tem um bom relacionamento com os filhos, e no caso, ele não tem um bom relacionamento com praticamente ninguém. Só que um dia o velho é morto, e a lei procura desvendar o crime. Basicamente é isso. E essa turminha do barulho apronta altas confusões.
Dostoiévski faz uma construção dos personagens com o objetivo de expor suas opiniões sobre a sociedade, o mundo, a vida, o universo e tudo o mais. Essa construção é feita mostrando a reação de cada um dos filhos do velho pilantra a seus últimos dias e a sua morte. Mostra também a criação de cada filho, uma vez que, como um pai degenerado e ausente, ele não dava muita importância a detalhes bobos, como criar seus rebentos, dar um bom exemplo paterno e ser querido pela comunidade.
Os filhos tiveram criações bem diferentes. Um deles foi criado num mosteiro e ele simboliza um homem moral e espiritualmente equilibrado, um ser que não tem dúvidas do que é certo e errado aos olhos de Deus e dos outros homens. Ele é afável, dócil e amistoso, porém decidido nas ações. Outro dos irmãos Karamazov é um intelectual, estudioso, inteligente e ateu. Arrogante, cínico e pretensioso. Para ele, a moral é relativa, acompanha a sociedade vigente e Deus não existe. O terceiro dos irmãos Karamazov é similar ao pai. Não está nem aí para nada.
As discussões filosóficas e teológicas do livro são muito pertinentes e atuais. Mas, na época de Dostoiévski, o ateísmo começava a ganhar corpo e defensores, ao passo que a moral cristã era atacada de todas as maneiras possíveis. Então ele expõe as falácias do pensamento ateu, os desdobramentos perversos que essa ideologia traria para o ser humano e a vida em sociedade.
Na verdade, hoje podemos ver que ele estava bastante certo. Não por acaso, os conceitos apresentados e defendidos pelo irmão ateu – que era o pensamento intelectual fervilhante da época. Claro que Dostoiévski, como um fervoroso cristão, usa o irmão Karamazov santo para demonstrar que o comportamento motivado por raciocínios cristãos e as qualidades cristãs como bondade, honra, respeito e humildade, ainda que contivesse idiossincrasias, era melhor do que o niilismo ateu ou do que a devassidão moral. Podemos até dizer que ele quase fechou os olhos para todo o incalculável mal que a religião cristã vem causando ao ser humano durante esses dois mil anos passados. Cristã, pois a religião se diz cristã, embora não siga realmente nenhum dos ensinos do fundador, Jesus Cristo. Mas ele tece, sim, críticas ao comportamento hipócrita dos líderes, aos ensinamentos sem sentido e aos fiéis que apenas seguem sem nenhum comprometimento pessoal, apenas hábito.
Em determinado ponto, o irmão ateu se encontra com o resultado material e físico do seu pensamento, e depois disso, enlouquece e discute com o próprio Belzebu. É o momento marcante do livro. O irmão degenerado busca absolvição durante boa parte de sua vida promíscua e o irmão santo amadurece seu comportamento santo, sendo que seu amadurecimento aparece como interlocutor, contraponto ou debatedor com essas outras figuras do livro.
Algumas tramas paralelas aparecem e são importantes para definir os personagens. Algo que chama a atenção são as descrições das mulheres que mexiam com a cabeça da família Karamazov. Sinceramente, em alguns momentos eu desejei que houvesse gravuras no livro. Mas para os afoitos, já deixo claro que o pai, era puritano e não temos quase nada relacionado a sexo.
O grande conflito do livro está no triângulo amoroso composto por Dimítri, Fiódor, e Grúchenhka. Os diversos conflitos internos são abordados concomitantemente com as excentricidades protagonizadas pelas personagens. O momento máximo da história está no assassinato de Fiódor Pávlovitch e suas conseqüências posteriores. Dimítri é acusado de homicídio e um comentado julgamento decidirá seu futuro.
Dostoiévski consegue manter o suspense e ainda inserir elementos da psicologia para analisar os personagens diante dos diversos acontecimentos vividos por eles, e com isso construir a idiossincrasia de cada um. O autor usou elementos de sua própria vida para criar um livro tão realista ao ponto de abordar questões estruturais da mentalidade humana, sendo uma obra marcante pela sua verossimilhança e perfeição.
O embrião dos pensamentos contidos neste livro já havia sido trabalhado nos livros anteriores do autor, em especial “Crime e Castigo”, mas podemos dizer que esse é o ápice da sua argumentação anti-intelectualismo de boutique ainda bastante difundido e discutido. Não é por acaso que este é considerado um dos grandes clássicos da literatura mundial.
Extremamente elogiada por Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud, "Os Irmão Karamázov" é uma obra inesquecível, um salutar monumento da literatura mundial. Uma leitura obrigatória para quem quer compreender melhor as diversas facetas da alma humana e assim entender o funcionamento da sua própria.